quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A Tudo Tenho


Onde o ter? Nunca terei!
Se não posso e em meu assomo
Não querer ter, quererei!
Querei ter? Onde o ter? Como?

Entre arranha-céus e escombros;
Ou a escuridão, cegueta,
e à luz, de mil cometas
P’ra que ter? Dou de-me ombros!

Querei nada! A tudo tenho!
Vedes florestas – arbustos?
Vejo mãe-verde e seus bustos
nus e a mim, menos ferrenhos!

Tudo tenho! Não sabeis?
Rosas em campos no céu
Prosas com belas ao léu
no firmamento: olhos-reis!

Venham, venham os trovões!
Pondo suas tubas em punho
Algazar mil caramunhos
que não ouvem suas canções!

Os passarinhos cantantes
Que no cerne, inda que mudos
são de tudo: tartamudos,
pagodeiros; consonantes!

E o Pardal, tão belo deus!
Tão agreste e tão de casa
tão de todos, mas tão meu!
Tão mais meu que os tenho as asas!

Tudo tenho! Meus ouvidos
São trementes alaúdes
retornando em amiúde
iracundos carcomidos!

Eu não desejo o amor!
Nem ser tão bem venturoso
Nem ser vão – vil! – desditoso.
Vede só! Onde há tal dor!?

E bem inda que pudesse
Ainda desejaria
Todo estio das poesias
que do quente-azul proviesse

Como flores em acenos
pululando em mi’a verve.
Tudo tenho! E tudo serve
tudo é tanto mais ou menos...

Que em companhia aos meus rastros
de estardes, sem céu, na Terra
possais acabar com a guerra
de me invejardes nos Astros!

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Estar Fora de Mim


Estar fora de mim, e ainda estar
por dentro, corroído e desalmado
ainda é estar por fora anuviado
e dentro certo que há o que se amar...

Estar fora de mim! Ah! Até voltar
e reparar os cacos já quebrados
dum espírito, mil vezes colado
é o caminho que eu nunca quis chegar!....

Estar fora de mim é tão melhor
mas há que se passar, pois o pior
à espreita sorve d’olhos mi’a candura...

Estar fora de mim como andarilho
não dá, se o coração não tem mais brilho
e dentro clama, cego, desventuras!

domingo, 20 de dezembro de 2009

À Musa de Ouro


Tive na vida inteira, a dois, remorsos:
Sonhos de céu, quebrando-se três vezes
em espaços vazios, descorteses
que se foram p’ro vácuo, sem ser Nosso...

Tive, pois, não mais tenho esta descalma!
Pois fizeste de um Nosso, ser um Quero
Tendo-me assim, em ações que enumero
nos dedos infinitos de minh’alma!...

Contigo, a vida é tão aurifulgente!
Como são teus cabelos, quando os vejo
esvoaçando sonhos benfazejos
que borbulham anímicos e crentes!

Sinto que a ti minh’alma se transmigra
e faz do teus sorrisos, domicílio,
e de tu’alma, o mais honroso exílio,
como em pátria dum Sonho que remigra!

E vou mostrar-te, em coração poeta
a lídima beleza deste mundo
e todo o amor, que de mim, oriundo
faz n’alma engendrar quimeras completas!

E vou mostrar-te, a ti, do que és feita!
No espelho dos meus versos, quando leres:
Do reflexo, o mais divino entre os seres,
qual prece que Deus concebeu, perfeita!

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Trovões Internos


Lá fora ouço trovões mal-humorados
trazendo o tormento p'ra dentro à porta
desta alma viva que se sente morta
num limbo de porvir desesperado...

Lá fora, ouço também, vociferado
Um céu de nuvens gris zanzando tortas!
Que chorando torrencialmente aporta
na realdade de um devir quebrado!

Cá dentro o céu se doa para o inferno
a fim de lhe inundar de poesia;
bruxuleando, em dueto, fogaréus!

Cá dentro, é pacatez, dilúvio terno;
Trovões suaves cantam cotovias
E torvelins de sonhos fazem céu!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Ultimogênito


Finda-se aqui o sentimento tristonho
De um sonhador, que já morto de fome
fez da esperança seu único nome
por achar comestível qualquer sonho!

Finda-se, pois, aqui, defronte a morte
Aquilo qual achava, em si, seu sismo;
E engrenagem da vida - seu lirismo:
tremor que deitaria contrafortes!

Findam-se aqui - em versos - os meus versos
E findam-se felizes, ternamente
Porque, de sonhos cheios, toda mente
Carece sintonia do Universo!

Finda-se aqui, meu poeta - o eu-lírico!
Com a lança duma falta de ensejo
fincada no arcabouço do desejo
fingido, inverossímil, tolo e empírico!...

Morro-me à poesia, nasço homem
e deixo o último verso pra saudade;
minh’alma voga inteira na vontade
de não ter mais quimeras que me domem!

Morro pra tudo! E renasço ordinário
Divorciado do lirismo culto.
Da realdade - a me tornar avulto -
versejo à boca, e não dum dicionário!...

Morro! Meu sentir não se desespera
Pois sei, não serve ao mundo em que eu existo
e sei saber, por isso é que desisto
e abraço forte a vida que me espera!...

Morri! Nem sinto-lhe a falta, poeta
pois caminhei de encontro ao que queria
deixei meu sonho, à folha, em revelia;
e minh’alma, de vãs quimeras, quieta!

Poeta! Pegue o poema, autografe-o
postumamente! E solte-se de mim!
Que o ultimogênito poema, enfim
findou, publicado em seu epitáfio!...

Morto, Poeta, eu sei já o que fazer
- não mais em versos, ou sonhos d’outrora -
Vou conjugar os verbos cá de fora
sendo o sujeito que não pude ser!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Verbalizando a Vida


Cada um de nós,
leva o sol nos pés.
Aos siderais,
extraordinários,
de andejo:
calquem ao chão seus verbos;
tornem pandos seus quadrados!

Há muito espaço na Terra!
Há muita guerra,
e sarjetas frias!

Infinito é o espaço!
Infinita é sua ação!
Infinitos são!
[passos...

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Revelação


Ah! Como amar a poesia, o carme
que não sou eu! Que não aceito a dor
de versos maculados dum pavor?
Como, de fato, posso revelar-me
poeta, de lirismo ocre, amador?

E como amar os versos que eu não fiz?
Ou se fiz, não se parecem meu verso?
Como, dentro de um espírito disperso
e imerso na poesia que eu não quis,
poder fazer-me parte do Universo?

Serei somente mais um ser que, em parte
Sente e escreve, reprime e cria... NADA?
Ou tudo que se cria é uma nonada
que se engendra do vazio da arte
e se desfaz, na folha, estatelada?

O que eu quero mesmo é coisa nenhuma!
Ser-me flocos fátuos, brilhando todo!...
com sentimento, diluído em lodo,
cativo a cavalgar por entre as brumas;
câncer oculto, tufo em linfonodos!...

Quem sabe um andarilho da poesia,
daqueles que com uma vil caneta,
aperta a tinta, faz chover cometas
no céu vil, tumular do dia-a-dia
fazendo a alma queimar todo planeta!...

Quem sabe, um nada bem cheio de tudo!
Um doudo, amalucado, o desvario!
Que cinge em verso quente e verso frio;
Que na ponta do lápis, assim, mudo,
muda o nada pro tudo, do vazio!

Quem sabe, seja só linha fadada,
A percorrer os olhos dos leitores,
E rutilar imagens d’alma, amores,
Pintadas no papel, bruxuleadas
em versos que aparentam-se indolores!?

Quem sabe? Eu não sei! Só quero estar,
nas mensagens que fiz, de modo errado,
vislumbrando um poeta mal formado
que não existe em mim, mas que se há
no carme, em versos, todo entrelinhado!

Ah! No dia que amar poesia,
o carme me dirá do que não li!
Assim como os pedaços que verti
na folha, esquartejados, saberiam:
no ponto final só eu quem morri!

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O Vôo Infindo da Borboleta


Ah! Borboletinha!
Que te estás à toa?
Solta-te, revoa!
Rufla tuas asinhas!
Canta-nos! Reboa!

Paira ao fementido
te eleva ao mentido!
Faze o mundo cheio
de teu colorido -
luz de veraneio!...

Colorir, vem... ousa!
Pousa o céu na vida
nas nuvens, repousa!
Solta arremetida
sorrisos à chousa!

Voa até o inferno!
Faze dele nada
Torna-o livre, terno
solta avermelhada
cores d’alma alada
no adejar superno!

Voa até o céu!
E lhe espalha o rosa!
Choverá o laurel
da alvorada prosa
na noite revel
brilhando formosa!

Ah! Mi’a borboleta!
Veja! Quão cansaço!
Pousa-te em meu braço
Toca a cançoneta
Voa em pirueta!
E estremece o espaço!

Esquece quem tinhas!
Voa! Sem final!
Rufla tuas asinhas!
Ah! Borboletinha!
Vem para o Pardal!

A Busca Infinda do Pardal


Apruma as asas e voa!
Voa alto! Há no alvo!
Solta o bando dos papalvos!
Qu’isto torna pando. Ecoa,
Lá do céu, - canta e revoa! -
Faze-o, de vis cores, calvo!

Toma o cinza! Toca a bruma!
Voa avante; te plumeja!
Não te esquece! Voa e alveja
Toma todas e nenhuma
Luz azul à tua pluma!

Libra além do altimurado!
Traze o infindo às tuas 'bicas'!
Quebra o sol: o sorve; o pica!
Qu’este torna bem curvado,
Aos teus voos; paparica!

Ó Pardal que esvoeja:
Traze o céu e volve o lume!
Voa aquém de qual negrume!
Canta acima, purpureja,
Tua alma, vai-te... almeja,
Libertado ao teu tapume!

Risca o céu o triste; calibre!
Colore toda descalma
E vem cá ousar-te a alma:
Em fazer qu'amor se libre;
Em pousar-te à vida a calma;
Ó Pardal, vai! Voa livre!...

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Relógio

Desenho: Osvaldo F.

Quero caminhar avante.
Detonar a inércia!
Acreditar no certo que se imagina.
Ter a certeza
que o não que me abomina
não faz do certo
menos imaginário.

Abominar é parar.
Acreditar é andar.
No fim, os fins se danam!
E o meio que vale!...
Que faz tudo... real!

Não me deixarei
ser relógio
hermeticamente rotundo
e fechado.
Num tic-tac
que tem sempre o mesmo som!

Que o ponteiro volte ao lugar de início.
Não quero minha vida relógio.
Não quero só tic-tac.
Eu tenho todas as onomatopéias do mundo!

Não quero, pois, este inferno:
A repetição
repetitiva
de tudo que se repete
repetidamente
como um tiquetaquear na parede!

A minha vida, até se pode relógio
mas de números infinitos
Como meus dias:
Com o mesmo céu.
A mesma natureza.
Posto que
em cada dia
um mundo novo
e infinito!

Eu quero o 25.
O 35.
O 1.006.
Eu quero os enes.
Os zilhões.

Cada dia algo novo.
Cada hora algo diferente.
Cada segundo... algo.
De verdade!

Quero a criação!
E não a repetição;
transformação.

Quero o toc-toc
de pés oníricos
a caminhar no chão do acaso.
Quero o descaso
de estar, diferentemente, errado!

Quero a novidade de tudo!
Dormir sem horas e acordar sem tempo!
Dormir cem horas
e ainda acordar no tempo!
Sonhar.. cem horas!
Mil! Milhões
na realidade do novo!

E realizar-me todas as horas
infindavelmente
como fosse um sonho!