quarta-feira, 28 de abril de 2010

Reencarnado

Uma vez quando morri
almejei uma nova vida.
(O céu era utopia!)
Cheguei a barganhá-la
num camelô espiritual;
num leilão de arrependimentos.

Trabalhei para o diabo
amassando pães,
e contratando almas.
Comprei minha reencarnação.

Hoje, entre os homens
comendo o Pão
e vivendo com as almas
tudo que desejo
– enquanto vivo –
é na boca, novamente,
aquele gosto doce de enxofre...

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Pontualidade do Tempo

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"O passado é ponto.
O futuro reticências,
E o presente, dois pontos..."
(Osvaldo Fernandes)

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Se o passado é findo, é ponto
e o futuro, reticências
eu, no Agora, em sã consciência
verso presente - em dois-pontos!...

Mas contigo, à tua presença
perco o tempo, me desmonto
e no desejo defronto
tu versada em reticências!

Tu composta – poesia!
Meu contínuo espaço-tempo
em dois pontos, toda escrita!

Tu futuro. Tu dia-a-dia!
Meu tempo verbal sem tempo:
tu em mim, tu infinita!


A Fantasista

Puseste a fantasia da tristeza
(porque a felicidade, sabes(!), és-te!)
Debruns para ludibriar puseste
mas não ludibriaste com destreza

pois um riso sublime e oculto vestes,
brilhando à frente a fronte em escureza,
bem como lantejoulas da beleza
te desfantasiando as sobrevestes!

Vieste amuada te querendo triste
mas nunca fostes, nem em solidão,
nem quando o desgosto te foi folião!

Vieste em fantasia; um rico chiste!...
Porém, num riso nu, o Coração
enfeitado, de tristeza, despiste!

As Emoções

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“Se todo às emoções terás surgido
e se, Poeta, versas do vazio
ainda assim, sou mais que as emoções
ainda assim és nada em teus escritos...”
(Osvaldo Fernandes)
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Como tudo que existe nasce e morre,
pleitear às emoções o direito de crescimento e reprodução
faz parte, unicamente, de ti.
Aliás, contigo, tudo podes!
Elas não te comandam, não te machucam ou bajulam.
Elas não te ferem.
As emoções
apenas emoções são.
Tu, não as és!

Tu és o espaço no qual as emoções nascem.
Tu és o recipiente que as agregam, e as transformam e as surgem.
Tu és o que transfaz o nada em tudo.
Tu és o peito, a essência, o cerne e a consciência.
Maior que pensas, tu és...
e maior que sentes;
e muitíssimo maior
que és.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O Mito

I-
Perguntaste e desejaste, quem sou,
ditado, e nos versos dou-me empenhado:
Um forte! O val da fraqueza do homem
que na mitologia d'arte manda!
Um corpo adiamantado de cesuras
que fulge e que ao mesmo instante penetra
em toda sânie bolhada no Olimpo:
um penedo de carne semideus!

II-
A divindade cárcere do arbítrio!
O rorejante glóbulo vermelho
da ponta das três puas, dos três dentes
pungente e vil do justo Poseidon!

III-
Quem sou? o ar! Já poluído e inerte
que só nos dentes venenosos tem-se
zéfiro! vindo do ofídico escalpo
(este uivo sibilante) da Medusa!
Eu hei de sê-lo, e hei no mito está-lo!
Pois quer onipresente estar meu nume
como estivesse na Grécia antiquada
como, em Gaia, total viração fosse(!),
como inspirando-me pedra virasses!

IV-
Perguntaste quem sou!... Meia blasfêmia!
O que te empedernir, será quem sou!
Pois na mão tenho Zeus, e então te juro
pelo trovão, pelas gris nuvens súcias
e todo o poderio dos Titãs
que serei no teu pedregoso cerne
tão violenta e irascivelmente
uma escritura rubra de mil versos
que por blasfêmia, em sanha, te esculpi!

Mistério de Ser

Já fui Terra desbravada.
Cruzada de mil Colombos
Quadra pirata hasteada
Riqueza branca roubada
Segredos livres – ribombos!

Já fui desmatada selva.
Cachimbo de mamelucos.
Fui brumas em ar, charutos
negros dos verdes das relvas.
Segredos tristes – de luto!

Já fui oásis – Deserto –
racionado em dromedários
Fui corcova, lombos vários
Fui mesmo oásis deserto.
Segredos tão solitários!

Já fui o Centro da Terra.
Ao meu umbigo, devoto
Fui Pangéia, terremoto
Fui-me natureza em guerra
Nos segredos que denoto!

Hoje sou só pó, só chão
charco, lama, morte e fedo
esculpindo passos tredos
defuntado no meão
de tudo que fui: segredos...

Adicionando os últimos...

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Vocabulário

O meu vocabulário é Porcaria
alguns leitores – muitos deles laxos
(Não posso esta palavra, mas relaxo
pois preferem ‘preguiça’ em poesia

talvez porque na própria eles se acham!)
– não têm um dicionário à serventia
e nem sequer o leem, não há valia
as palavras velhuscas que eu encaixo...

Mal sabem que antiquado é tão mais novo
do que estes fabordões feitos do povo;
que até o mesmo léxico malogra...

Mas minhas porcarias, levo adiante
a fim de reviver relíquias dantes
que mortas pelo tempo aqui se logra!

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Preguiça

Machuca o cerne este animal dantesco:
um réptil quelônio que te habitas!
Um retentor de teu ideal fresco:
a escuridão; o estorvo – um parasita!

Segura os passos, põe-te medo e foge
pra mais profundo em ti, e lá se oculta.
Tu erras, quando o fazes metagoge
nos carmes que o compões, eis que resulta

O altíssono poeta modernista
de escritos que parecem de Pangeia
proferindo de si prosopopeias!

És tu que lhe dás vida! És tu o artista
carcomido por dentro. És tu que aquentas
as garras desta preguiça agourenta!