terça-feira, 27 de julho de 2010

Vou Contando


I

Vou contando
as verdades
da vida.

Vou contando
que o céu não é azul
e o mar é pequeno.

Vou contando
que a vida é só vida
e que ninguém mandou vivê-la
senão o tinhoso interior
que nos manda...

Vou contando
e contando logo
que sou sociopata
e que talvez sejamos todos
e que talvez sejamos tolos
de amigar sem amizade...

Vou contando
que procuramos espelhos
e que os mais bonitos
são difíceis de quebrar
(e se quebram, azar!...)

Vou contando
que se não votar no amor
como pode sê-lo eleito?
Vou contando as coisas do peito
vou contando que não sou perfeito
vou contando a dor...

E vou me contando, um
dois, três...
Vou me contando nenhum
e todos de uma vez...

II

Vou contando
as pétalas da vida
e todas se esfalecem
de malmequer!...

Vou contando o bem-me-quer
que nunca é meu
que nunca é seu
que de ninguém é...

Vou contando
e contando mais:
vou contando sobre a paz
que só acontece quando criança
que quando adulto se esfaz
em toda insegurança...

Vou contando que não há bonança
apenas tempestade
vou contando quantas cidades
quantas metrópoles
quanta terra...
e vou contando que o belo
é fomentar guerra...

Vou contando
sobre os filhos
e os irmãos
no sangue que se derrama
vou contando toda aflição
de, sem coração, deitar-se à cama
vou contando
toda infinitude da solidão...

Vou contando
e perdendo tempo;
vou contando o tempo
e ele já não sobra
vou contando
o por quê da Obra
da Natureza:
é a certeza
de ser-se egoísta...

Vou contando
aos teístas
a existência do Nada.
E vou contando
até que o caminho da morte
seja a única estrada...

Vou contando
infinitamente
e não paro de contar
porque um'alma de poeta
jamais sossegará!...

Brincar de Amor

Brincar de amor é como porradinha:
um dá, já meio bronco, e põe o peso
do coração, e sempre sai surpreso
co’a força que não soube que continha...

O outro devolve como bumerangue
Quem diz que se pode sair ileso?
Quem sofre mais, é o amor indefeso
que se joga porque lhe está no sangue!

Brincar de amor é como porradinha:
Machuca, dói, até cair-se exangue
E no final, os dois, no estado langue
se apartam do amor sério que os mantinham...

Brincar de amor não pode! O amor é sério!
Quem é o amor pra machucar alguém?
Mas que machuca todos e ninguém
É bem verdade! Escolho o eremitério!

Ao Eu-Lírico

Toda vez que um verso se fez possível
me fiz omisso a cada bom leitor,
que leu e não enxergou o que é adornado
em toda estrofe: um excerto horrível;
tão indizível como imane é a dor...

E ao se existir em cada coleção
o verso pulsa dor, intervalado
e, concomitante, o coevo humor
- tal como o tufo e infarto coração -
palpita as mãos, entope-as de recados...

Recado este que sai nas entrelinhas
fugaz, que acarinha se só ao fundo
pelos breves minutos enquanto escrevo
e sei que já, muito ao mundo, me devo
e já me doo, às almas que se alinham
e assim me alinho em mim, por um segundo...

E torno-me astro deste Universo
num uno verso, em leve purgação
que faz o seu caminho - em alinhamento -
sua paz, de ser poeta, em um só momento
este rapaz sedento em coração
que infarta por saber-se réu confesso
e se morre poeta, em cada verso...

Amores de Verão

Tal como um amaldiçoado jardim
Meu coração viceja sua flora
Das raízes profundas solta afora
Um cheiro nauseabundo de alecrim...

O cheiro espanta o doce do jasmim
O acre toma o vento de hora em hora
A quem fareja: queima, se incorpora
Da maldição de amor: desdita e fim.

O outono passa, o inverno, a primavera
E o coração de velhas flores vive:
Em cheiros de lembranças emanentes...

Mas ao vir dos verões, quando acelera
Por um momento as maldições que tive
São só cheiros ao vento, novamente...

domingo, 25 de julho de 2010

Nascimento da Paz

Na relva
um bailado sepultante;
feixes candentes alumiam
toda a Passagem.

Um obus - trape! - soprando
e sorvendo sopros.
Sânie. Pus. Amareleza.
Lama. Gritos.
– Kawabanga!

Nas fumegantes trincheiras
pintores, que só descobrirão
o rubro;
poetas que nem mortos na glória
renascerão;
atores num palco real
que jamais se saberão heróis
ou vilões.

Naquela fronte
(naquela frente)
apenas um sorriso -
tão cândido, meigo, infante,
como aquele
parido pela mãe:
sua mulher.

Outra mãe – a guerra
parteja a Paz,
que vem – novíssima, nascendo
e chorando
lágrimas rubras
de um capacete gretado...

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Houve um Tempo

Houve um tempo
em que as palavras me procuravam.
Deitavam nos meus ombros
investiam em meus olhos
e despenhavam junto às lágrimas.

Houve um tempo de lágrimas;
houve um tempo de sentidos;
houve-me, um tempo, escrito.

O tempo passou
e minhas lágrimas - antes salobras -
tornaram-se insípidas;
insápidas;
enxutas...

Das palavras, o silêncio,
e do Nada, um som
num mar revolto
desta vaga mansa
que um dia deixei-me vogar...

terça-feira, 20 de julho de 2010

Cadafalso Celestial



A chuva canta a marcha nupcial
e pouco a pouco os pés vão-se, buscando
– e os braços, num anseio, tremulando –
o amor, no cadafalso celestial...

Um por um, nos seus passos, revelando
a certeza de se querer casal.
O Salvador, na cruz, tão divinal
A todo amor de um tempo, abençoando.

Entorno os olhos brilham, a luz parece
da moça ao rosto, deitar suas mãos;
premer no moço ao lado o coração;
soprar mil orações numa só prece.

Como passos marcados p’ra catarse
a seda arrasta a alvura, e se apresenta
rindo e chorando, o peito treme e esquenta
num desejo cabal de amancebar-se...

Quando no altar dos céus se aterram, unos
O diácono profere: “ – Eis os tais pombos!”
Nos mais cavos dos corações um bombo,
Revela: “– Os abençôo e os afortuno...

Da mais rica harmonia, o matrimônio!”
Lá fora a chuva aperta o canto e intenta
abençoá-los com lágrimas bentas
cantando junto núpcias com o harmônio.

Como poeta, acompanhar o rito
eu tento.... E ainda assim, fico vogando
ao céu, junto dos pombos emanando,
Mais amor do que venha ser escrito!

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Experiência

No silêncio do espelho,
entre a velhice e a juventude,
está minha alma
desenhada em amiúde.

Minha Natureza

Um dia eu sugeri ao Mundo permitir-me
E doá-lo um vislumbre de Pardais aos ares
Ainda que haja o medo quiçá de tu rires
Quando na Natureza do meu ser pousares...

Um dia eu permiti meu mundo para o Mundo:
As floras brejeirais. Os espinhos restantes
Ao infinito, os voos, sustidos de instantes
E a lenta alunissagem de pesar profundo...

Um dia arrependi-me de expressar a calma
deste universo interno: a ímpar natureza
dentre, a Mãe-Natureza e a de bilhares d’almas...

Foi quando, dentro em guerra, o Mundo eu questionei:
Que quero se lá fora afínica é a certeza
que a Natureza em mim, no mundo eu não verei?

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Meu Firmamento



No meu firmamento
um céu,
ainda que alvacento
limpo... nas asas...
duma grande borboleta!

Pouso Leve

Pousar de leve a mão nas tuas mãos
– ligeiro escuro; ao sol olhos brilhando
e nas penumbras pálpebras sambando –
pousar de leve em seu, meu peito então...

Levantar vôo, o coração, na boca
– apoteose, e fez-se a escuridão
do esgar, da piscadela... – por que não
levantar vôo, o coração... da boca?...

Pulsantes, num dueto, vão tentando
– dois corpos em dois corpos se afogando –
mudos, desta volúpia, uma canção...

Um som sublime, um ritmo inconstante;
o acorde, um gozo, e lá do céu, lançantes,
pousando, os corações, leves, nas mãos...

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Desejo de Sono

Os dias vão passando
céleres e esguios...
As dores, todas elas, acompanham.
O tempo não completa mais o vazio.
Nem o vazio, completa o vazio.
As articulações apanham
do frio se agigantando...

A Morte parece estar logo à frente
e em cada Noite se me deita
fazendo companhia às ilusões –
há muito olvidadas,
mas que ultimamente
revivo-as, mais do que o instante;
mais do que a mente –
ocupando a vaga vazia
ao lado esquerdo do peito...

Mais uma noite, insone.
Doído, procuro a aventurança
mas os horizontes são cúpreos;
meus olhos depressivos os fitam
e através da janela
tentam tangê-los,
mas logo se fecham,
para chegada do sono.

Sem perceber mais dores ou decepções
estico meu braço ao lado.
A morte me esquenta; me consome
e finalmente durmo
com um último abraço de amor...