sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Exílio

Exilado
o dia,
por mim visto,
duma fresta na janela.

Quase o invejo
não fosse a noite
nua, sedenta
e menina
por trás das cortinas
da solidão...

Ofídica Virgem

Deleita o toque e às pálpebras deleita
Ver-te e sentir-te às retinas focadas.
Em seda grossa, a carne enviesada
Dos sorrisos, volúpias liquefeitas.

Acertas todo prumo ainda deitada
À graça, extenuada e satisfeita.
Tornas da pele, a mais fatal, eleita
Na areia de lençóis, colubreada.

‎Devolves-me o olhar, sibila, e chama.
Um chocalho perfura a minha mente,
retumba algo de amor e caio exangue,

sentindo, em teu deserto – a nossa cama –
ofídicas picadas, vorazmente,
fazer pulsar veneno onde era sangue...

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Grande Viagem

Busquei no mundo em passos sáfios a viagem.
Busquei nos gritos duma aragem, meios, fins.
Busquei sozinho e nunca tive uma mensagem
Que então pudesse me fulgir se fui ou vim.

Segui ganhando as ruas rudes; das paisagens
Pensei fugir; pensei morrer. Sair de mim.
Cansei buscar! Tentei enfim numa chantagem,
Ter, coagindo a natureza, o meu jardim.

Jardim sublime em que germino-me entre as flores
para existência do meu ser, minh’alma exposta:
motivo o qual os pés caminham sobre as dores

que fortalecem quando entendo então que a esmo
ganhar o mundo é ilusão. Tenho a resposta:
destas viagens, a maior, fora em mim mesmo!...

domingo, 17 de outubro de 2010

Violão

Um violão, é o que sou.
As cordas vão vibrando, vão vibrando...
E toda minha vida vibra, quando,
na cova que renova, ressoando
a música, o som, a sintonia,
insistem me chamando, me lembrando
que sou só instrumento... de elegia!...

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Aprisionado

Ao trono da obra eu sento.
Soltarei do abstrato o que se quer real.
Tento uma estrofe.
Ponho-me afastado.
Contesto cada milímetro.
E soam-me milímetros, apenas.
Não me acredito e me questiono.
Esta prisão desaventurada!
Pra ser feliz... só se fosse completo em preto e branco...
...em timbre suave e bem ouvido.
Tímido e carmim. Ah! Eu seria.
Faria falecidos todos os fantasmas em horas de riso;
mas ponho-me afastado,
e me carece um gênio...

Dos Brilhos e Ecos

Quando a última luz
cingir-lhes a escuridão
os povos solitários
longínquos, céleres – aos brados
terão da solidão
o eco que a produz.

Terão, nas vagas da luz,
um deslize de existência.
Se afastarão da sapiência,
e ter-se-ão, solitários
perante a cruz,
em rezas de ermitério.

Louvarão pelo mistério,
e por todos os outros,
aparentemente felizes
povos lindeiros:
serão chamados loucos,
desgraçados, aprendizes
andadeiros!...

Do tempo furtarão
a dificuldade das horas
que se transfazem em martírios
irrelevantes à solidão.
E surgirá o delírio,
dum vazio em que o eco de solidão
completava outrora...

E assim, sozinhos,
(em seus corações)
os reféns do atemporal,
caminharão sem tropeço,
por toda escuridão.
Terão carinho e apreço
pelos que em outro caminho,
- o da luz racional –
são moucos, tarecos
fechados aos ecos,
de incertos clarões:

os mais solitários,
perdidos,
ermitões...