domingo, 27 de fevereiro de 2011

Liquefeita

Ela é assim,
imponente e líquida.
Vem vindo, vem vindo...
E tudo quanto a ela quero findo;
e quando quero muito nosso fim,
empurro o que há em mim com tanta força
e vejo que sou só cólera lassa...
pois quanto mais a empurro
mais ela transpassa...

Partiu-se-me

Partiu.
Não sei que idade eu tinha.
Se 18 ou mais.

Partiu. Deixou-me atrás
das tortuosas linhas.

Da senda que partiu
eu não vivi;
sequer andei,
mas inda ouço suas pegadas;
inda vejo-o misturar-se,
às flores dos atalhos.

Não sabe dos espinhos.
Não sei bem seus caminhos,
por onde andou, não sei
ou mesmo o quanto andado.

Mas sei quando partiu:
se para, eu sobrevivo;
se vive... estou parado...

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Retirante da Alma

Os Retirantes - Cândido Portinari

Tão cândido o sertão pra mim parece
Quando não calco os ossos da penúria,
E não ouço louvarem nas alturas
Os urubus à minha carne, em prece.

Não quero este sertão, nem me apetece,
Sentir deste temor, da vida dura,
Porque destas imagens de pintura
Nada mais que pintura se oferece.

Os seres cadavéricos que fito
Num tom meio sombrio – são só cores
mescladas por uma alma angustiante...

Que nem mesmo – confesso – fico aflito...
É que, por sorte, a todos os horrores
desta alma em que nasci, fui retirante!

Baú de Despejos

(a Reinaldo Luciano)

Fui saciar, no sebo, um dos meus vícios:
de ler, e me aprazer – me traz alento.
Achei perdido e rofo, no interstício,
um papiro amassado e poeirento...

Rutilava! Minh'alma o refletia.
Mal sabia: era a luz da sapiência.
Quão belo o manuscrito em poesia
feita em versos de mera competência!

Tirei-o do baú onde o encontrei
Li cada verso! Como os degustei
tal Rei da poesia a olhos nus:

A lira dum espírito doirado
qual parecia o Nume despejado
ou talvez fosse o próprio, no Baú!...

Ânsia de Amar

Numa ânsia de se amar sem limiar
o ser humano perde sua visão.
De mãos cheias na pá da piração
enterra a vida, cego e tumular!

Os olhos vão-se em ânsia e dispersão,
como se vão as mãos d'alma a apalpar
por vezes, o que nunca estará lá:
o grão do amor lavrado em solo são!

A ânsia de se amar nasce do Ego:
patrão dos olhos, iludidos, cegos;
nascente das suas gotas mais salgadas!

Mas se, caso ansiando o amor, me pego
choro o choro mais doce se o não nego;
lavro a melhor semente já plantada!...

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Teu Homem Perfeito

Um homem que te ame, que te adore
Que a sirva numa louça de Veneza
Um homem que enalteça tua beleza
Que por ti ria, grite, e também chore!

Um homem que não há na Natureza;
que mais pareça conto de folclore!...
que só por lhe sorrires comemore;
se vanglorie em ter uma princesa!...

Amar um homem, tê-lo por inteiro!
É o que mulher deseja em tempo infindo;
Charmoso, inteligente, rico... lindo!

Terá do amor supremo e verdadeiro
tal homem que há de amar-te. Todavia
se nunca o amares... tu? Nem por um dia!

Longe, Longe...

Vives fora, longe...
longe...
onde um monge não medita;
onde o sol lhe traz mais cor
onde o toque se acredita
longe, longe!
Vives fora! Ó minha Flor.

Lá as flores não tremulam
cada nuvem se há pausada!
Mas a tua voz airada,
diamantes, quando ululas
sinto e vejo
longe, longe,
minha Flor.

Acolá, tão longe...
longe...
Há meu céu, o novo tempo;
há, por entre ventos, Vento,
que barganho com a aurora
pois lá fora,
longe, longe,
a distância é mais que a hora,
e o presente
é minha Flor.

Mais presente é ter o Vento,
“– Ó meu Vento ide longe,
longe, longe!
Guiai-me no céu, no lume:
esta Flor; e justaponde
teu perfume em meu perfume!
Transportai-me teus pedaços!”
pois que ter de ti o abraço,
longe, longe
só no tempo
em que o Vento
for o Amor...