quarta-feira, 30 de março de 2011

A Lua e Eu

Conversando com a Lua
pus-me à rua,
pus-me à rua silenciosa.
Entreguei-lhe o que me amua
como sua,
como sua melhor prosa.

Tal corisco na caligem
vem, me inflige,
vem, me inflige um frio morno.
Seu sorriso me dirige
na fuligem,
na fuligem de um adorno.

Conto-lhe as mágoas, anseios,
devaneios,
devaneios mais dantescos.
Deixo o mundo, titubeio
no seu seio,
no seu seio gigantesco.

De manhã vejo o desleixo
quando a deixo,
quando a deixo e vou-me embora.
Como em todos os desfechos
que me queixo,
que me queixo ter memória.

Eis que a noite, n’outro dia
bem mais fria,
bem mais fria então me prova:
Lua negra, em agonia;
tão vazia!
Tão vazia... a Lua Nova.

Tão mais nova que os amores;
dos horrores,
dos horrores que explanei.
Passam luas, noites, dores,
mas as Flores,
mas as Flores... eu não sei!

domingo, 27 de março de 2011

É Tempo

É tempo, vem, ó meu amor, agora
que tudo é nuvem, vem, de amor volante,
(o céu parece um timpanão troante)
Que a chuva cai sem que se saiba a hora.

Vem que te espero apenas neste instante
(um tom maior por todo anil vigora)
Vem que o teu pouso o meu regaço implora!;
Que o timpanão do céu te tange ovante!

Vem logo! O céu, Amor, ficando escuro
querer, parece, te afastar do chão
o mesmo chão de terra e sonhos puros!

Pousa. Beija-me! E veem-se então centelhas
um relâmpago ávido se esguelha
e estoura um som maior que do trovão!

quinta-feira, 24 de março de 2011

Canto Choroso

O telefone toca. Lá na praia
põe-se a correr, enfim, pro último abraço.
Tropeça o coração, pulsa à cambraia
translúcido terror em cada passo.

Toma na mão, nos braços e desmaia.
Subverte a própria alma de cansaço.
Deita seu filho morto ao colo e ensaia
o mais choroso canto de um regaço.

– Por que meu filho (ainda enlouquecida)
levaste, Ó Mar? Por que levas as vidas?
Por que do que há mais belo Tu me privas?

Só o silêncio respondia, quando
ouviu-se lá do mar, rumorejando
dum marejante canto, uma água-viva!...

Das Distâncias Das Almas

Não te dispersas de tu’alma.
Deixa-a junto,
mas não muito perto
pois que, se distante
sobra-te o perigo;
próxima demais,
doença...

Sobreviventes

Não há sobreviventes sem adeus.
Os que ciclos trincam, seguem
na linha tortuosa.
E o adeus vira vinco;
e em cada vinco,
fica uma história
sobre viventes...

terça-feira, 15 de março de 2011

O Que Me És

És para mim, como num céu viçando
suas luas que me banham comichosas
a quinta fase: escura e luminosa;
amorfa , sensual, sem onde ou quando.

És mais do que pra mim: sou eu sanando
ao ritmo musical de mil felosas
que aterrissam cantando sobre as rosas;
os ninhos; sob a lua, afim, cantando...

És para mim, e inteiramente és
tal como a terça parte do equilíbrio;
um corpanzil plumoso de um anfíbio;
o céu telúrico onde eu calco pés!

Tu és(!), mas só pra mim – pobre poeta
régulo excelso das terras do bardo
parido em flor mas do Lácio bastardo –
a transcriação a que cultua o esteta!

Tu és a impressão imaginária
porque se vais ainda que não vás;
porque me ficas mais do que estarás
nas minhas noites mais que solitárias...

Em qualquer tempo me és enluarada!
Não mínguas, não és cheia, não és nova,
Mas enquanto houver céu, haverá a prova
crescente que em meu céu há mais que nada!

Sapatos Velhos

O sapato velho
da sola furada
fez descolar...
o caminho.

Da Dor

A dor é alarido de minh’alma
chamando a mente a animação do corpo.
Chamando aquele eu representado
nos monstros que me acordam de repente
e com suas garras, mil momices, dentes,
fazem medrar a morte em cada instante.

A dor é outro eu, mais dominante,
a revolta do ar contra o que inspira:
desfraldado na mente adentro a testa,
uma enxaqueca d’alma, o triste em festa,
é exacerbação desafinada
da mais suave e temerosa lira
ouvida por um lídimo Pierrô.

A dor é outro Osvaldo e eu, sou nada,
mas nada que me fira é mesmo dor...

sábado, 12 de março de 2011

Do Novo Brilho

Quero contar do brilho de improviso:
o mais puro e o mais liso; dos reflexos
nos olhos e na boca, desconexos,
cristalizados pelo teu sorriso...

Quero contar das asas, do voejo,
de ser o mais liberto e se perder
no aroma de uma flor azul-bebê,
que brota ao ar, esguio de desejo...

Eu sei falar das flores mas da Flor
eis a verdade: eu prefiro cheirá-la;
roubar dos olhos tenros que apunhala
de forma lacerante, um novo amor.

Eu sei falar das luzes de um olhar:
improviso sutil duma paixão;
mas quero só mirar-te o coração
que a tudo sente e fala... sem calar...

(E meus olhos, então,
perdido aos teus
que é céu, te refletir,
brilhar, brilhar...)

quinta-feira, 10 de março de 2011

J'ai Perdu

Il fut un temps
au beau milieu de l'Amour.
Et au milieu de l'amour
il fut un temps.

J'ai perdu du temps
aimer l'amour...
et l'amour;
aimer le temps!...

terça-feira, 8 de março de 2011

Soçobro

Soçobro
porque sobro e não me espalho.
Como espantalho dobro minha inércia
que cobra a beça à vida o sofrimento.

Soçobra o nauta
transformado em pedra.

Se pauta uma certeza é porque quebra
e cada febra emerge à maré alta:
é todo o nada negro num momento;
é mar inteiro, essência... e movimento..

Gás Nobre

És um gás nobre.
Não vejo a coroa
não chamo princesa
ou rainha.
Duquesa? Até poderia
mas és só um gás,
e gases dissipam
enquanto fico eu
com a mão no invisível
e o peito referto
de toda tua nobreza...

Relógio

Discuto com o relógio os tiques – brados:
que giro tão fugaz? Quantos invernos,
passariam por mim, se confiado,
dos gélidos, o gelo mais superno?

Mensuras meu calor quando eu hiberno!...
servindo-se dos mares mais pesados
ardores, que jamais, em mil infernos,
teria um tsunami de pecados!

Se todo o calor vivo é um lucivéu
postando-se supremo pelo céu,
que queres mensurar do sol, instância?

Tentas medir-me se estou acordado,
porém, do tempo quente ou do gelado,
só quem pode medir é minha ânsia!