terça-feira, 29 de junho de 2010

Isabella

A fabulosa janela
Abre-se em sonhos azuis!
Cada noite houvera luz:
Voar, sonhara Isabella...

Sonhos de brinco e futuro:
Dança, balé, ser artista
Librar nas saladas-mistas
Voar por colos seguros!...

Na fabulosa janela
Uma noite houvera sombra:
Varonil vento na alfombra

Levara ao céu, Isabella
Como a seus sonhos, ao fim:
Asas paternas carmins...


Um Faminto

A Alberto de Oliveira

Na sarjeta migalhas e um faminto
Catando-as como das estrelas, brilhos
Há muito se perdeu, se fez extinto
No vácuo deste céu, como andarilho.

Urra a dantesca fome e esperançoso
como Tântalo, se prefere em morte
enquanto escolhe o sul, vai-se pro norte
a sorte, a essência, o destino animoso.

Rogam suas pernas comiseração
Já não andam. Parado, e em desalinho
na sarjeta esmaiado, eis o glutão...

Cada migalha afasta-o do caminho!
Assim faminto, vive o coração.
Assim meu coração vive magrinho...

A Morte da Língua

Dos poemas, fugiram suas funções
E nada lhes restou, nem pleonasmo!
Duma abundância de aliterações
Os versos caminharam pro marasmo...

Fugiram, dos poemas, intenções!
Afugentadas de um acre sarcasmo!
Assassinaram versos – corações
Roubando da leitura o entusiasmo!

Não há mais poesia! Há nada, há luto
nem pra contar história o anacoluto
sobreviveu pra dar fluidez sintática.

Chorando do epitáfio do lirismo
leu-se, em gotas de orvalho, um eufemismo:
"Aqui descansa a língua da gramática."

terça-feira, 22 de junho de 2010

Que Então Possa Dizer

Talvez, quando eu morrer, tão condizente
este poema, quando lerdes, seja
com tudo que um poeta se deseja:
trazer de volta à vida a sua mente...

Que ainda morto, e falto, e ineloquente
inda possa dizer do que pragueja;
inda possa viver, pois, sem peleja
com que se achou viver quando presente...

Então me vou! Morrer! Ficar ausente
porque se a vida é mesmo este presente
que dizem “Deus nos deu”, já não apraz...

E deixo que conteis quando me for:
se ausente sempre estive para o amor
morto ou vivo estivesse, tanto faz!...

sábado, 19 de junho de 2010

Tragam a Poesia de Volta

Eu rogo:
Tragam a Poesia de volta!
Recolham todas as minhas partes!
Tragam-se as Artes!

Peguem minhas pernas no Maracanã.
Onde as gramíneas as vivificaram
com saudades de Poesia.

Peguem meu Coração
que pulsa quente
na massa fria e polar.
Não deixem a Poesia morrer!
Não deixem o amor bafuntar!

Tragam também
meus punhos:
lá nos planaltos da tez;
lá onde nasceu o carinho;
lá, além de qualquer ninho;
tragam os que tocam,
os que criam,
os que falam!...
Peguem os punhos
que jamais socaram a Poesia.

Tragam a Poesia de volta!
Recolham as artes!
Façam vivas as minhas partes!

Tragam meus olhos
que planam por entre os vãos;
que míopes, ainda são sãos;
que mortos, ainda verão!...

Tragam meus ouvidos
e façam-se ouvirem os feridos;
amigos, verdade, saudade;
façam-se ouvirem com vontade
os sons jamais percebidos.

Tragam a Poesia de volta!
Tragam-me a vida de volta!

Sonífero

O sono visita.
Apaga-me a luz.
No meio do escuro,
estrela cadente
Transpassa, corisca,
e canta; e seduz.

Num risco me vou!
De encontro com nada,
quer vou cavalgada,
quer vôo, revoada
eu vou! E eu vou!

Vou ter com a estrela!
Cadente por tê-la
eu vou! E eu vou!

No meio do cinza,
Eis álgicas cruzes:
- Nós somos os sonhos
daquele são sono
que tu mesmo induzes!

No meio do claro:
- Eu vou, eu tô indo;
eu vou, sou o sono
sou seu grande sonho
viajando em luzes
tal como um menino!...

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Mar de Lágrima

Areias afundam
um espírito moribundo:
eu, enferrujado
e vagamundo.

Em cada passo, uma força imane.
O sal sobrepuja;
a brisa oxida.

Defronte, o mar.
E do meu olhar, mesmo poeirento,
despenha-se a lágrima
mais salobra que já tive.