quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Do Lábaro Azul



Por sob olhar queimoso do astro-rei
coser todo suor que toma a leira,
dos que da terra adoram, na bandeira,
tal como um povo unido fosse lei.

Tingir, seja o plebeu ou seja o rei,
rainha ou tal a simples costureira
assim como atingisse a cor certeira,
num pano, todo orgulho de uma grei.

Fazer estremecer da haste a certeza
que as brisas trazem sonhos agoureiros
e tempos alvos nesta amareleza...

Contar vinte uma estrelas por aí
E ter certeza, todo brasileiro,
que há céu desde Oiapoque até o Chuí!

Cirurgia

Deitado nesta cama de doentes
um medo me resvala impetuoso.
Quisera eu ser de um mundo mais ditoso,
Pacífico, impoluto e quiescente!

Agora, em meio a tanto entorpecente,
profiro um credo, um rogo desejoso
de quando, como agora, desgostoso
sombrio eu era, ainda adolescente:

"– Venha buscar-me, ó Morte! Venha logo!"
Um choramingo eu ouço quando a rogo
deitado no meu leito, exausto e laxo.

Empunha um bisturi, começa o corte:
numa explosão de brilhos sinto a morte,
como gota escorrendo foice abaixo...

Para Sempre

Fiquemos sós, querida.
Eu menos tu. Só de ti, só de nós.

Fiquemos livres, vivos! Fiquemos contidos nas nossas almas.
Deixemos que o corpo – templo da ignorância e da farta burriquice – aprenda, sozinho, como se morto inda existisse.

Fiquemos soltos e alados;
sossegados, perdidos ao hálito do vento,
que um torvelinho, no templo, se nos lembrará.

Fiquemos sós, querida.
E num próximo encontro, menos terno
o gozo que teu corpo me herdas,
num gemido silente, terás por eterno.

Nossas almas, completas de nós, serão a Natureza.
E do corpo, a torvelinhos, se ouvirão os uivos, se ficarmos sós.

Fiquemos sós, querida.
Para sempre.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Dos Peixes

Furtam meus olhos pelos seus trejeitos
O Olhudo, O Aquarela e O Nemo-velho.
Planam pelo aquário me chamando,
pousam suas barbatanas no escafandro
que lhes renova todo oxigênio.

Admirado, levo as mãos ao vidro,
(assim minha alma é, quando mostrada?)
não fogem, não se movem, ficam lindos!
E eu lembro a velha solidão que me enche
quando digo um olá e ouço três nadas...

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O Acaso

Uma poeira presa
à quina da parede.
Passeia distraído
um cachorro ao seu lado.

O acaso é este cachorro
de poeira se enchendo.
É a transformação
de um destino ocorrendo.

Modifica-o com o tempo,
e o tira a origem, cor,
é o que o acaso faz!
(pro estímulo ou langor)

A poeira – o destino;
Nasceu sem liberdade!
O acaso torna fado
outras mil realidades.

E se eu fosse liberto
veria os seus sinais
sutis, que modificam
a minha vida inteira?

Não sei. Sou desligado
ao que vem na dianteira.
Não nasci pra cachorro,
mas sei: serei poeira...

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Corpo Lançado

E lá se vai bailando pelo ar
com seu vestido prateado, a moça
do morro, da cidade, da favela,
bailando, cintilante, lá vai ela,
avista um morenão alto, simpático,
de cabeça lhe alveja o coração,
perfura-lhe o amor, queima, mutila
e pousa, úmida e rubra, pelo chão...

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Mãos

Quando o teu corpo
eu encontrar, tateá-lo-ei
com as línguas das minhas mãos.

Com elas contarei
todos os meus sonhos!
Explanarei, suavemente,
sobre o meu amor por ti.

E quando, de mim, tudo
tiveres sabido
deixarei que as tuas
sejam meu ouvido
a desbravar teus segredos...

Papel em Branco

Em um papel também renasce a vida.
Saem sons que de sonâncias evoluem
mediante emoções que afora fluem
ora no branco e ora cintilando...

A natureza é um poço de mudança.
Ora está noite, ora está luzida.
Assim que sou, enquanto estou versando.

Em branco só o que fica é a esperança
de mostrar emoção, fazê-los tê-la,
pois que em mim passa o dia, e tudo fora
também passa emoção, sentir, beleza:

tudo onde é branco nasce uma mensagem
como nascesse em nós, mil paisagens
como não vendo eu pudesse revê-la,
e se pintasse em nós, a Natureza!

Disso só soube ao espiar o céu:
A noite escreve imagens nas estrelas
enquanto escrevo letras no papel...

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Angústia

Uma ânsia, um enjôo, falta de ar!
Vejo a Terra diagonando em novo grau
Deglutindo a festa ao lado, lhe empoando,
e emanando um pútrido instante mortal!

Eu acordo: “- Ufa! Graças! Pesadelo!”
Não me agüento: chego às claras da janela
E tremendo inda lhe dou uma olhadela,
Há falanges e uma mão, ensangüentadas(!),

da vizinha! Morreu, ei-la esquartejada...
Um enjôo, um desmaio e estou no chão.
Todo horror que se me envolve, não quis tê-lo;
todo pesadelo é sério, e sonho, vão...

terça-feira, 9 de novembro de 2010

O Outro

Se minh'alma em meu espírito transfundo;
no profundo faz nascer um novo eu,
quem sou eu se dois em um vivo no mundo
oriundo junto a outro que nasceu?

Um é muito! Dois é quando me confundo
E se não difundo o meu de todo o seu
Sei que se desvaneceu por um segundo
pra fecundo lhe saber – me aconteceu!

Ponho em frente sempre quando me aparece
o meu ser único, de instintos chacais,
que no entanto é racional, vívido e douto.

Desfraldar-lhe tento, enfim, faço até prece!
Pois melhor sempre quis ser, que este ser, mas
como posso ser mais eu se sou o outro?

domingo, 7 de novembro de 2010

Solitário Negro

À noite, quando todos adormecem
e hei ínfimo e único em mim mesmo,
um astro como trespassasse a esmo
num eterno vazio, me estremece.

A Morte se me punge o pensamento
– o mesmo, no silêncio das respostas,
lhe tem como afeição – e é pressuposta
a cessação dos meus questionamentos.

Alvejo os céus, enquanto inerte às mãos
um revólver, o ardil, se refestela
dum solitário negro que me irrompe...

À cabeça o dirijo – à escuridão! –
no céu, brilha um cometa e me congela;
um telefone toca e me interrompe...

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Alvorada

Enquanto adormeço
em negrura e silêncio
uma menina pinta
ao som da passarada
mil cores em meu corpo...

Se Te Espantas

Se algo te espanta na mudez
que resolvi por ter, num ponto
em que d’amor fui o mais tonto,
perdoa minha insensatez...

Se algo te espanta nesta ausência
afora a carne, ausência viva;
torna a saudade em ti, ativa,
conserva viva minha presença.

Que nem percebo; houvera em mim!
Moço da inércia, antes tão leino;
Castelo ocluso, de onde o reino
em trono amor, senta-se o fim.

Se algo te move e se agiganta
em devir triste, em desventuras,
revive e lembra da ternura
presente enfim, se algo te espanta...

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Exílio

Exilado
o dia,
por mim visto,
duma fresta na janela.

Quase o invejo
não fosse a noite
nua, sedenta
e menina
por trás das cortinas
da solidão...

Ofídica Virgem

Deleita o toque e às pálpebras deleita
Ver-te e sentir-te às retinas focadas.
Em seda grossa, a carne enviesada
Dos sorrisos, volúpias liquefeitas.

Acertas todo prumo ainda deitada
À graça, extenuada e satisfeita.
Tornas da pele, a mais fatal, eleita
Na areia de lençóis, colubreada.

‎Devolves-me o olhar, sibila, e chama.
Um chocalho perfura a minha mente,
retumba algo de amor e caio exangue,

sentindo, em teu deserto – a nossa cama –
ofídicas picadas, vorazmente,
fazer pulsar veneno onde era sangue...

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Grande Viagem

Busquei no mundo em passos sáfios a viagem.
Busquei nos gritos duma aragem, meios, fins.
Busquei sozinho e nunca tive uma mensagem
Que então pudesse me fulgir se fui ou vim.

Segui ganhando as ruas rudes; das paisagens
Pensei fugir; pensei morrer. Sair de mim.
Cansei buscar! Tentei enfim numa chantagem,
Ter, coagindo a natureza, o meu jardim.

Jardim sublime em que germino-me entre as flores
para existência do meu ser, minh’alma exposta:
motivo o qual os pés caminham sobre as dores

que fortalecem quando entendo então que a esmo
ganhar o mundo é ilusão. Tenho a resposta:
destas viagens, a maior, fora em mim mesmo!...

domingo, 17 de outubro de 2010

Violão

Um violão, é o que sou.
As cordas vão vibrando, vão vibrando...
E toda minha vida vibra, quando,
na cova que renova, ressoando
a música, o som, a sintonia,
insistem me chamando, me lembrando
que sou só instrumento... de elegia!...

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Aprisionado

Ao trono da obra eu sento.
Soltarei do abstrato o que se quer real.
Tento uma estrofe.
Ponho-me afastado.
Contesto cada milímetro.
E soam-me milímetros, apenas.
Não me acredito e me questiono.
Esta prisão desaventurada!
Pra ser feliz... só se fosse completo em preto e branco...
...em timbre suave e bem ouvido.
Tímido e carmim. Ah! Eu seria.
Faria falecidos todos os fantasmas em horas de riso;
mas ponho-me afastado,
e me carece um gênio...

Dos Brilhos e Ecos

Quando a última luz
cingir-lhes a escuridão
os povos solitários
longínquos, céleres – aos brados
terão da solidão
o eco que a produz.

Terão, nas vagas da luz,
um deslize de existência.
Se afastarão da sapiência,
e ter-se-ão, solitários
perante a cruz,
em rezas de ermitério.

Louvarão pelo mistério,
e por todos os outros,
aparentemente felizes
povos lindeiros:
serão chamados loucos,
desgraçados, aprendizes
andadeiros!...

Do tempo furtarão
a dificuldade das horas
que se transfazem em martírios
irrelevantes à solidão.
E surgirá o delírio,
dum vazio em que o eco de solidão
completava outrora...

E assim, sozinhos,
(em seus corações)
os reféns do atemporal,
caminharão sem tropeço,
por toda escuridão.
Terão carinho e apreço
pelos que em outro caminho,
- o da luz racional –
são moucos, tarecos
fechados aos ecos,
de incertos clarões:

os mais solitários,
perdidos,
ermitões...

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Do Compromisso

Compromisso em minha vida é anacrônico.
Planejado numa agenda desfolhada:
Não tem data, nem destino ou dia certo.
A segunda pode ser domingo ou sexta.
Pode estar fazendo frio absoluto
No solstício de verão.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A Casa Mal Assombrada

Por entre as entranhas
da Casa Assombrada
vivia, calada
minh’alma tacanha...

Na pele – a fachada
em que rugas pendem
no disforme alpendre –
ela está trancada...

O corpo a rejeita
(qual casa que expulsa
tristezas, repulsas
dum'alma imperfeita...)

Mas inda se habita
na casa – o meu corpo.
Um abalo torto
Treme-lhe e palpita.

Minh’alma se esconde.
Meu corpo estremece.
Nem a melhor prece
que há, me responde

Do escuro que dura,
do alarde indevoto!
Mais um terremoto!
A alma se fratura.

Em cacos e exangue
Roga por viver.
Serpeia sem ver.
Levanta-se: há sangue.

Enquanto adoece
E um choro lhe aperta
No sal se liberta!
Da casa esvanece...

No corpo – que é a mesma
tal “Casa Assombrada” –
não vive mais nada,
só resta avantesmas...

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Das Dores Que Bailam

Uma mulata! É como adentro sinto:
as dores vão sambando pelo corpo
e quando param de dançar pressinto
que no próximo mês estarei morto...

O samba vai tocando e então absorto
esqueço até da dor, (será que minto?)
Mas volta a ressoar um bumbo torto
que já volta a apagar com vinho tinto!

O álcool no salão embaça a dama
e as dores somem, mas acabo imundo,
Embriagado e sujo em minha cama...

— Quem tanta dor aguenta? Como pode?
Nem isto importa quando ouço lá fundo
setenta mil bandinhas de pagode...

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A Voz dos Calados

Quando o mundo retroceder de vez,
os mais fracos que estão,
os errantes, os sujos, reféns de monturo,
de vozes franzinas,
que ecoam no escuro,
voltarão à vida!
Trarão nos silêncios
a nova mensagem,
do amor e da paz, esquecida!

E a foice da morte, ainda a garimpo,
ainda atuante,
sibilará
nos becos, seus segredos;
plantará nos pseudolimpos,
a ferida, o medo,
a sânie constante...

Até quando o primeiro sol azul
se aquecer no horizonte!


E assim, os covardes ver-se-ão valentes
terão vozes, sem línguas nem dentes,
e sem pernas, pro coração andarão;
ribombarão
de seus pulsos plantados de tempo,
velhas canções, novíssimos ventos!
Ventos que lhes ressurjam, no entanto,
novos pulsos, batimentos!...
e em tempo, mil purezas adamitas!

E nova tarde, cairá,
em fervorosos ventos tantos
que de canções, palpitam...


E tudo será novo
bem trabalhado, nos ouvidos,
os destroços secarão – tudo esquecido!,
e a árvore nascerá pura de males!
Seus frutos, por todos comidos,
frescos e cheios de sementes de razões,
apagarão os gemidos
dos sobreviventes caules!
Cantarão em uníssono, portanto,
as emoções,
os frutos novos,
os novos povos,
e nos faremos voz!...

...que aqui, então e ainda morta e mansa
sob à escuridão da noite aflita,
perene e atroz, à folha se lança,
cantando pra esta Terra parasita...

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Se Me Basto

Prometo pela inércia do meu corpo
e por toda inquietude de minh’alma,
que pra extorquir, da paz, rubis de calma
farei da Solitude um raro escopo!

Prometo e, num protesto, a ardor, contrário
a voz da Solitude me desdenha.
Diz da preciosa paz: – Pra que a obtenha
não bastará polí-la solitário...

– Eu só quero viver! Passar! Morrer!
E, só, ó paz! amá-la inteiramente!
– brados d’alma plangente de viver...

No seio, pois, se voz outra afastasse
a ideia de eremita e amar somente
a mim, talvez, só a mim não me bastasse!

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Ponho-me a Chorar

Ponho-me a chorar!
E estas gotas doces
verteriam rios
que se de amor fossem,
minha correnteza
a frio e certeza
encheria o globo
que seco e salobro,
se faria mar!

E inerte nas docas
como alma a afogar
então lembraria:
“Do amor fui-me um dia,
também, pororoca;
correntes de amar!"
(E se hoje sufoca
me ponho a chorar!)

Tergiversante

Se entre a audácia e a timidez
estou sentado:
pro lado eu sorrio, cortês;
e corro de vez pr'outro lado..

No Tempo, No Vento

O alento que monta esta chuva.
A chuva montada no vento:
um cheiro de dor faz a curva;
um som virginal traz alento.
Um cheiro, um chio, um esgar:
a chuva no vento a montar,
molhando e levando o cinzento
início de dia: um momento
que nasce do vento, primeiro
e invade, e fareja, e certeiro
do peito se faz inspirar...

A Passagem

A luz da Lua açoita, chicoteia
Meu torso com inacabáveis gumes
Sorvendo-me da carne todo o lume
que o espírito tremeluz,
bruxuleia...

Sua gravidade é vil, traciona forte
E saudosista arranca-me do chão
os pés da essência, à consecução
de luz clamando célere
mi’a morte!

Várias estrelas sentem e me rogam
— parecem tão vazias e franzinas —
ao espírito, longínquo,
vão e absorto.

Querem-me a luz! Encimadas se jogam:
— como pueris ribaltas tão meninas! —
mil purpurinas no ar;
e eu no chão... morto...

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Castiçais (Ao Meu Velório)

Do mais cálido ser, queimei de frio
como queimou minh'alma em toda lida
por todas estações, até o estio,
não triunfou d'invernos em minha vida...

Um vento frio é nada mais que vento
que o mais cálido ser soprou pra mim
para que então gelificado e enfim,
não fosse eu, pelo menos, num momento.

O talante inexiste neste corpo
como inexiste e é tão peremptório
o motivo no qual, ao meu velório,
lembrar-me-ão tão vivo (entanto morto)...

Confesso: tão mais vivos que inorgânicos
a animação, o desejo, e as vontades
inexistiram em mim, se babilônico,
e existiram sim! Se só em saudades...

Não sei por quê! Defesa, sim, talvez!
De não alquimiar dentro da pele
o que de amor produz só cardiocele,
o que achamos sentir com lucidez(!):

Os fogos corpulentos do desejo
só há nestas pessoas indefesas(!...),
pois quando enxergam fogaréus, eu vejo
apenas castiçais por sobre a mesa...

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Poema Espelhado

Poema, feio és tu
possui sequer mensagem
fonema fraco qual és bem cru
apenas espelhado
flui, porém sem forma sua...
desconexo, é o poema, todavia
reflexo-poesia...

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Do Lúdico

Uma única vez
senti o céu me chegar.
Não recordo muito deste dia.

Entretanto
ainda possuo a sensação
de, feito criança,
brincar suas estrelas
e me queimar...

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Absorto

Procura o nada
e dá-lhe um oi.

Se caso não houver resposta
ainda assim poderás ouvir
um segredo, um silêncio
e até mesmo um pulso.

Talvez deste pulso,
um sopro.

Talvez deste sopro,
uma canção.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Há Sempre o Gosto

Um pouco de ti
eu era doce,
Um muito, salgado.

Um nada de ti
insípido. No tudo:
sabores
dum trago de amores!...

Minha língua
a mais agridoce que já tive,
ainda te lambisca,
ainda te escreve,
e teu gosto sempre ocorre:
da boca corre;
na mão escorre,
e pra folha vive...

Na Madrugada das Almas

Na madrugada das almas
não há sereno.

Senhoras, senhores
e baús acorrentados:
na madrugada de poeta,
sereno não há, tão frio.

Um timbre inaudível
não canta ou encanta.
Planta-se! E espantos
incrivelmente desfraldam...

Já me aceitei poeta
quando todos recolheram
dos olhos, suas almas...

terça-feira, 27 de julho de 2010

Vou Contando


I

Vou contando
as verdades
da vida.

Vou contando
que o céu não é azul
e o mar é pequeno.

Vou contando
que a vida é só vida
e que ninguém mandou vivê-la
senão o tinhoso interior
que nos manda...

Vou contando
e contando logo
que sou sociopata
e que talvez sejamos todos
e que talvez sejamos tolos
de amigar sem amizade...

Vou contando
que procuramos espelhos
e que os mais bonitos
são difíceis de quebrar
(e se quebram, azar!...)

Vou contando
que se não votar no amor
como pode sê-lo eleito?
Vou contando as coisas do peito
vou contando que não sou perfeito
vou contando a dor...

E vou me contando, um
dois, três...
Vou me contando nenhum
e todos de uma vez...

II

Vou contando
as pétalas da vida
e todas se esfalecem
de malmequer!...

Vou contando o bem-me-quer
que nunca é meu
que nunca é seu
que de ninguém é...

Vou contando
e contando mais:
vou contando sobre a paz
que só acontece quando criança
que quando adulto se esfaz
em toda insegurança...

Vou contando que não há bonança
apenas tempestade
vou contando quantas cidades
quantas metrópoles
quanta terra...
e vou contando que o belo
é fomentar guerra...

Vou contando
sobre os filhos
e os irmãos
no sangue que se derrama
vou contando toda aflição
de, sem coração, deitar-se à cama
vou contando
toda infinitude da solidão...

Vou contando
e perdendo tempo;
vou contando o tempo
e ele já não sobra
vou contando
o por quê da Obra
da Natureza:
é a certeza
de ser-se egoísta...

Vou contando
aos teístas
a existência do Nada.
E vou contando
até que o caminho da morte
seja a única estrada...

Vou contando
infinitamente
e não paro de contar
porque um'alma de poeta
jamais sossegará!...

Brincar de Amor

Brincar de amor é como porradinha:
um dá, já meio bronco, e põe o peso
do coração, e sempre sai surpreso
co’a força que não soube que continha...

O outro devolve como bumerangue
Quem diz que se pode sair ileso?
Quem sofre mais, é o amor indefeso
que se joga porque lhe está no sangue!

Brincar de amor é como porradinha:
Machuca, dói, até cair-se exangue
E no final, os dois, no estado langue
se apartam do amor sério que os mantinham...

Brincar de amor não pode! O amor é sério!
Quem é o amor pra machucar alguém?
Mas que machuca todos e ninguém
É bem verdade! Escolho o eremitério!

Ao Eu-Lírico

Toda vez que um verso se fez possível
me fiz omisso a cada bom leitor,
que leu e não enxergou o que é adornado
em toda estrofe: um excerto horrível;
tão indizível como imane é a dor...

E ao se existir em cada coleção
o verso pulsa dor, intervalado
e, concomitante, o coevo humor
- tal como o tufo e infarto coração -
palpita as mãos, entope-as de recados...

Recado este que sai nas entrelinhas
fugaz, que acarinha se só ao fundo
pelos breves minutos enquanto escrevo
e sei que já, muito ao mundo, me devo
e já me doo, às almas que se alinham
e assim me alinho em mim, por um segundo...

E torno-me astro deste Universo
num uno verso, em leve purgação
que faz o seu caminho - em alinhamento -
sua paz, de ser poeta, em um só momento
este rapaz sedento em coração
que infarta por saber-se réu confesso
e se morre poeta, em cada verso...

Amores de Verão

Tal como um amaldiçoado jardim
Meu coração viceja sua flora
Das raízes profundas solta afora
Um cheiro nauseabundo de alecrim...

O cheiro espanta o doce do jasmim
O acre toma o vento de hora em hora
A quem fareja: queima, se incorpora
Da maldição de amor: desdita e fim.

O outono passa, o inverno, a primavera
E o coração de velhas flores vive:
Em cheiros de lembranças emanentes...

Mas ao vir dos verões, quando acelera
Por um momento as maldições que tive
São só cheiros ao vento, novamente...

domingo, 25 de julho de 2010

Nascimento da Paz

Na relva
um bailado sepultante;
feixes candentes alumiam
toda a Passagem.

Um obus - trape! - soprando
e sorvendo sopros.
Sânie. Pus. Amareleza.
Lama. Gritos.
– Kawabanga!

Nas fumegantes trincheiras
pintores, que só descobrirão
o rubro;
poetas que nem mortos na glória
renascerão;
atores num palco real
que jamais se saberão heróis
ou vilões.

Naquela fronte
(naquela frente)
apenas um sorriso -
tão cândido, meigo, infante,
como aquele
parido pela mãe:
sua mulher.

Outra mãe – a guerra
parteja a Paz,
que vem – novíssima, nascendo
e chorando
lágrimas rubras
de um capacete gretado...

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Houve um Tempo

Houve um tempo
em que as palavras me procuravam.
Deitavam nos meus ombros
investiam em meus olhos
e despenhavam junto às lágrimas.

Houve um tempo de lágrimas;
houve um tempo de sentidos;
houve-me, um tempo, escrito.

O tempo passou
e minhas lágrimas - antes salobras -
tornaram-se insípidas;
insápidas;
enxutas...

Das palavras, o silêncio,
e do Nada, um som
num mar revolto
desta vaga mansa
que um dia deixei-me vogar...

terça-feira, 20 de julho de 2010

Cadafalso Celestial



A chuva canta a marcha nupcial
e pouco a pouco os pés vão-se, buscando
– e os braços, num anseio, tremulando –
o amor, no cadafalso celestial...

Um por um, nos seus passos, revelando
a certeza de se querer casal.
O Salvador, na cruz, tão divinal
A todo amor de um tempo, abençoando.

Entorno os olhos brilham, a luz parece
da moça ao rosto, deitar suas mãos;
premer no moço ao lado o coração;
soprar mil orações numa só prece.

Como passos marcados p’ra catarse
a seda arrasta a alvura, e se apresenta
rindo e chorando, o peito treme e esquenta
num desejo cabal de amancebar-se...

Quando no altar dos céus se aterram, unos
O diácono profere: “ – Eis os tais pombos!”
Nos mais cavos dos corações um bombo,
Revela: “– Os abençôo e os afortuno...

Da mais rica harmonia, o matrimônio!”
Lá fora a chuva aperta o canto e intenta
abençoá-los com lágrimas bentas
cantando junto núpcias com o harmônio.

Como poeta, acompanhar o rito
eu tento.... E ainda assim, fico vogando
ao céu, junto dos pombos emanando,
Mais amor do que venha ser escrito!

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Experiência

No silêncio do espelho,
entre a velhice e a juventude,
está minha alma
desenhada em amiúde.

Minha Natureza

Um dia eu sugeri ao Mundo permitir-me
E doá-lo um vislumbre de Pardais aos ares
Ainda que haja o medo quiçá de tu rires
Quando na Natureza do meu ser pousares...

Um dia eu permiti meu mundo para o Mundo:
As floras brejeirais. Os espinhos restantes
Ao infinito, os voos, sustidos de instantes
E a lenta alunissagem de pesar profundo...

Um dia arrependi-me de expressar a calma
deste universo interno: a ímpar natureza
dentre, a Mãe-Natureza e a de bilhares d’almas...

Foi quando, dentro em guerra, o Mundo eu questionei:
Que quero se lá fora afínica é a certeza
que a Natureza em mim, no mundo eu não verei?

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Meu Firmamento



No meu firmamento
um céu,
ainda que alvacento
limpo... nas asas...
duma grande borboleta!

Pouso Leve

Pousar de leve a mão nas tuas mãos
– ligeiro escuro; ao sol olhos brilhando
e nas penumbras pálpebras sambando –
pousar de leve em seu, meu peito então...

Levantar vôo, o coração, na boca
– apoteose, e fez-se a escuridão
do esgar, da piscadela... – por que não
levantar vôo, o coração... da boca?...

Pulsantes, num dueto, vão tentando
– dois corpos em dois corpos se afogando –
mudos, desta volúpia, uma canção...

Um som sublime, um ritmo inconstante;
o acorde, um gozo, e lá do céu, lançantes,
pousando, os corações, leves, nas mãos...

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Desejo de Sono

Os dias vão passando
céleres e esguios...
As dores, todas elas, acompanham.
O tempo não completa mais o vazio.
Nem o vazio, completa o vazio.
As articulações apanham
do frio se agigantando...

A Morte parece estar logo à frente
e em cada Noite se me deita
fazendo companhia às ilusões –
há muito olvidadas,
mas que ultimamente
revivo-as, mais do que o instante;
mais do que a mente –
ocupando a vaga vazia
ao lado esquerdo do peito...

Mais uma noite, insone.
Doído, procuro a aventurança
mas os horizontes são cúpreos;
meus olhos depressivos os fitam
e através da janela
tentam tangê-los,
mas logo se fecham,
para chegada do sono.

Sem perceber mais dores ou decepções
estico meu braço ao lado.
A morte me esquenta; me consome
e finalmente durmo
com um último abraço de amor...

terça-feira, 29 de junho de 2010

Isabella

A fabulosa janela
Abre-se em sonhos azuis!
Cada noite houvera luz:
Voar, sonhara Isabella...

Sonhos de brinco e futuro:
Dança, balé, ser artista
Librar nas saladas-mistas
Voar por colos seguros!...

Na fabulosa janela
Uma noite houvera sombra:
Varonil vento na alfombra

Levara ao céu, Isabella
Como a seus sonhos, ao fim:
Asas paternas carmins...


Um Faminto

A Alberto de Oliveira

Na sarjeta migalhas e um faminto
Catando-as como das estrelas, brilhos
Há muito se perdeu, se fez extinto
No vácuo deste céu, como andarilho.

Urra a dantesca fome e esperançoso
como Tântalo, se prefere em morte
enquanto escolhe o sul, vai-se pro norte
a sorte, a essência, o destino animoso.

Rogam suas pernas comiseração
Já não andam. Parado, e em desalinho
na sarjeta esmaiado, eis o glutão...

Cada migalha afasta-o do caminho!
Assim faminto, vive o coração.
Assim meu coração vive magrinho...

A Morte da Língua

Dos poemas, fugiram suas funções
E nada lhes restou, nem pleonasmo!
Duma abundância de aliterações
Os versos caminharam pro marasmo...

Fugiram, dos poemas, intenções!
Afugentadas de um acre sarcasmo!
Assassinaram versos – corações
Roubando da leitura o entusiasmo!

Não há mais poesia! Há nada, há luto
nem pra contar história o anacoluto
sobreviveu pra dar fluidez sintática.

Chorando do epitáfio do lirismo
leu-se, em gotas de orvalho, um eufemismo:
"Aqui descansa a língua da gramática."

terça-feira, 22 de junho de 2010

Que Então Possa Dizer

Talvez, quando eu morrer, tão condizente
este poema, quando lerdes, seja
com tudo que um poeta se deseja:
trazer de volta à vida a sua mente...

Que ainda morto, e falto, e ineloquente
inda possa dizer do que pragueja;
inda possa viver, pois, sem peleja
com que se achou viver quando presente...

Então me vou! Morrer! Ficar ausente
porque se a vida é mesmo este presente
que dizem “Deus nos deu”, já não apraz...

E deixo que conteis quando me for:
se ausente sempre estive para o amor
morto ou vivo estivesse, tanto faz!...

sábado, 19 de junho de 2010

Tragam a Poesia de Volta

Eu rogo:
Tragam a Poesia de volta!
Recolham todas as minhas partes!
Tragam-se as Artes!

Peguem minhas pernas no Maracanã.
Onde as gramíneas as vivificaram
com saudades de Poesia.

Peguem meu Coração
que pulsa quente
na massa fria e polar.
Não deixem a Poesia morrer!
Não deixem o amor bafuntar!

Tragam também
meus punhos:
lá nos planaltos da tez;
lá onde nasceu o carinho;
lá, além de qualquer ninho;
tragam os que tocam,
os que criam,
os que falam!...
Peguem os punhos
que jamais socaram a Poesia.

Tragam a Poesia de volta!
Recolham as artes!
Façam vivas as minhas partes!

Tragam meus olhos
que planam por entre os vãos;
que míopes, ainda são sãos;
que mortos, ainda verão!...

Tragam meus ouvidos
e façam-se ouvirem os feridos;
amigos, verdade, saudade;
façam-se ouvirem com vontade
os sons jamais percebidos.

Tragam a Poesia de volta!
Tragam-me a vida de volta!

Sonífero

O sono visita.
Apaga-me a luz.
No meio do escuro,
estrela cadente
Transpassa, corisca,
e canta; e seduz.

Num risco me vou!
De encontro com nada,
quer vou cavalgada,
quer vôo, revoada
eu vou! E eu vou!

Vou ter com a estrela!
Cadente por tê-la
eu vou! E eu vou!

No meio do cinza,
Eis álgicas cruzes:
- Nós somos os sonhos
daquele são sono
que tu mesmo induzes!

No meio do claro:
- Eu vou, eu tô indo;
eu vou, sou o sono
sou seu grande sonho
viajando em luzes
tal como um menino!...

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Mar de Lágrima

Areias afundam
um espírito moribundo:
eu, enferrujado
e vagamundo.

Em cada passo, uma força imane.
O sal sobrepuja;
a brisa oxida.

Defronte, o mar.
E do meu olhar, mesmo poeirento,
despenha-se a lágrima
mais salobra que já tive.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Flor Amada

Espinhos rutilantes findam nortes
no caule duma Flor
amada e bel.

Fagulhas dela soltam-se confortes
não há mais dor ou cor
nem doce ou fel.

Ó Flor Amada, desejei-me a morte!
Quando à fona de amor
deliu-me o céu.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Saber-me

De não, talvez, saber-me
em qualquer quando
enquanto isto é o resumo
do próprio ser
talvez (e assim presumo)
eu possa ser
exatamente o quando
não saber ser-me...

segunda-feira, 17 de maio de 2010

O Ser Que Um Dia Fui

O ser que um dia eu fui vagava nos ladrilhos
do fracasso, este chão calcado em pensamento.
Ora me questionava: “Que impele tormentos?”
Olvidaria, entanto, em preces de andarilho...

Passando pelo mundo alheio ao sentimento
deixando só o lamento azar o meu desbrilho...
Até que um dia pai, que em outro já foi filho,
fui, na forte impressão dum sublime momento!...

E enfim estar calcando o chão nunca sentido –
A Terra como é – no tempo prometido:
A paz e a aventurança – o Agora, o início e o fim.

Andei de encontro a vida e a acomodei nos braços
chorando, e ao vir o sol eu vi que neste laço
a sombra do que fui não mais viver de mim...

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Reencarnado

Uma vez quando morri
almejei uma nova vida.
(O céu era utopia!)
Cheguei a barganhá-la
num camelô espiritual;
num leilão de arrependimentos.

Trabalhei para o diabo
amassando pães,
e contratando almas.
Comprei minha reencarnação.

Hoje, entre os homens
comendo o Pão
e vivendo com as almas
tudo que desejo
– enquanto vivo –
é na boca, novamente,
aquele gosto doce de enxofre...

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Pontualidade do Tempo

-----------------------------------------------

"O passado é ponto.
O futuro reticências,
E o presente, dois pontos..."
(Osvaldo Fernandes)

-----------------------------------------------

Se o passado é findo, é ponto
e o futuro, reticências
eu, no Agora, em sã consciência
verso presente - em dois-pontos!...

Mas contigo, à tua presença
perco o tempo, me desmonto
e no desejo defronto
tu versada em reticências!

Tu composta – poesia!
Meu contínuo espaço-tempo
em dois pontos, toda escrita!

Tu futuro. Tu dia-a-dia!
Meu tempo verbal sem tempo:
tu em mim, tu infinita!


A Fantasista

Puseste a fantasia da tristeza
(porque a felicidade, sabes(!), és-te!)
Debruns para ludibriar puseste
mas não ludibriaste com destreza

pois um riso sublime e oculto vestes,
brilhando à frente a fronte em escureza,
bem como lantejoulas da beleza
te desfantasiando as sobrevestes!

Vieste amuada te querendo triste
mas nunca fostes, nem em solidão,
nem quando o desgosto te foi folião!

Vieste em fantasia; um rico chiste!...
Porém, num riso nu, o Coração
enfeitado, de tristeza, despiste!

As Emoções

-----------------------------------------------
“Se todo às emoções terás surgido
e se, Poeta, versas do vazio
ainda assim, sou mais que as emoções
ainda assim és nada em teus escritos...”
(Osvaldo Fernandes)
-----------------------------------------------

Como tudo que existe nasce e morre,
pleitear às emoções o direito de crescimento e reprodução
faz parte, unicamente, de ti.
Aliás, contigo, tudo podes!
Elas não te comandam, não te machucam ou bajulam.
Elas não te ferem.
As emoções
apenas emoções são.
Tu, não as és!

Tu és o espaço no qual as emoções nascem.
Tu és o recipiente que as agregam, e as transformam e as surgem.
Tu és o que transfaz o nada em tudo.
Tu és o peito, a essência, o cerne e a consciência.
Maior que pensas, tu és...
e maior que sentes;
e muitíssimo maior
que és.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O Mito

I-
Perguntaste e desejaste, quem sou,
ditado, e nos versos dou-me empenhado:
Um forte! O val da fraqueza do homem
que na mitologia d'arte manda!
Um corpo adiamantado de cesuras
que fulge e que ao mesmo instante penetra
em toda sânie bolhada no Olimpo:
um penedo de carne semideus!

II-
A divindade cárcere do arbítrio!
O rorejante glóbulo vermelho
da ponta das três puas, dos três dentes
pungente e vil do justo Poseidon!

III-
Quem sou? o ar! Já poluído e inerte
que só nos dentes venenosos tem-se
zéfiro! vindo do ofídico escalpo
(este uivo sibilante) da Medusa!
Eu hei de sê-lo, e hei no mito está-lo!
Pois quer onipresente estar meu nume
como estivesse na Grécia antiquada
como, em Gaia, total viração fosse(!),
como inspirando-me pedra virasses!

IV-
Perguntaste quem sou!... Meia blasfêmia!
O que te empedernir, será quem sou!
Pois na mão tenho Zeus, e então te juro
pelo trovão, pelas gris nuvens súcias
e todo o poderio dos Titãs
que serei no teu pedregoso cerne
tão violenta e irascivelmente
uma escritura rubra de mil versos
que por blasfêmia, em sanha, te esculpi!

Mistério de Ser

Já fui Terra desbravada.
Cruzada de mil Colombos
Quadra pirata hasteada
Riqueza branca roubada
Segredos livres – ribombos!

Já fui desmatada selva.
Cachimbo de mamelucos.
Fui brumas em ar, charutos
negros dos verdes das relvas.
Segredos tristes – de luto!

Já fui oásis – Deserto –
racionado em dromedários
Fui corcova, lombos vários
Fui mesmo oásis deserto.
Segredos tão solitários!

Já fui o Centro da Terra.
Ao meu umbigo, devoto
Fui Pangéia, terremoto
Fui-me natureza em guerra
Nos segredos que denoto!

Hoje sou só pó, só chão
charco, lama, morte e fedo
esculpindo passos tredos
defuntado no meão
de tudo que fui: segredos...

Adicionando os últimos...

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Vocabulário

O meu vocabulário é Porcaria
alguns leitores – muitos deles laxos
(Não posso esta palavra, mas relaxo
pois preferem ‘preguiça’ em poesia

talvez porque na própria eles se acham!)
– não têm um dicionário à serventia
e nem sequer o leem, não há valia
as palavras velhuscas que eu encaixo...

Mal sabem que antiquado é tão mais novo
do que estes fabordões feitos do povo;
que até o mesmo léxico malogra...

Mas minhas porcarias, levo adiante
a fim de reviver relíquias dantes
que mortas pelo tempo aqui se logra!

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Preguiça

Machuca o cerne este animal dantesco:
um réptil quelônio que te habitas!
Um retentor de teu ideal fresco:
a escuridão; o estorvo – um parasita!

Segura os passos, põe-te medo e foge
pra mais profundo em ti, e lá se oculta.
Tu erras, quando o fazes metagoge
nos carmes que o compões, eis que resulta

O altíssono poeta modernista
de escritos que parecem de Pangeia
proferindo de si prosopopeias!

És tu que lhe dás vida! És tu o artista
carcomido por dentro. És tu que aquentas
as garras desta preguiça agourenta!

terça-feira, 30 de março de 2010

Realidade Utópica

Ó sonho jamais visto! Se ao lado
orvalhos dos jardins do meu vizinho
como espelhos de um desejo esperado
refletisses o teu brando caminho!

Sonho espargido, pó de poesia,
és todo meu futuro carcomido!
Se não de languidez por ti puído
jamais cego e estacado então seria!

Por que em palavras, ó Sonho, timbrá-lo
na régia eternidade – eu te consigo,
como consigo o sol sendo-me amigo
mas não consigo enfim, sê-lo, tocá-lo!?...

Fosse no orvalho e ensejo, tu surgido
entre os jardins e toda esta avifauna
te encontraria fora de minh’alma
te perderia enfim, sem ter perdido!
________________________________________________
Engraçado. Eu fiz este poema para um vizinho.
Na verdade foi o complemento de um texto...
...onde falo sobre o vizinho, que nada mais é que meu sonho...
...como se meu sonho fosse um vizinho que nunca conheci.

Ele esta lá. Eu encho os olhos em seu jardim...
...mas não vicei com ele, ainda.
Talvez precisasse desligar-me dele para, enfim...
...tê-lo na realdade.

O texto encontra-se em meu outro blog.
________________________________________________

domingo, 28 de março de 2010

Ao Nugget

Que me importa a vida
se não te puder,
Nugget,
mordiscar!

Se não te puder
liquefazer
na salivação que se faz infinda;
na salpicação que na língua
borbulham volúpias do sabor!

Se não te puder
que me importará!

Ó Nugget! Vinde à taberna da arcada!
Vinde! Derramai vossa gordura
em nossa fádica e corrupta boca!

Vinde! E tragais junto
em vossa mordida,
a nossa vida,
salivando...

Vedes no Verde

"Ora vereis as belas musas - onde:"
procuradas nos galhos mais altivos;
sentadas e esperando-vos mais vivos,
em voo e pouso suave pelas frondes...

Das musas, vós tereis aquisitivos:
Beijai-as! – As mãos, nas copagens, ponde!
Tirareis os verdes véus que as esconde,
trareis convosco o belo completivo!

"Ora vereis as musas belas, certas"
alando as almas a terdes com o cume,
avante às galhas, verticais andanças!

Finalmente tereis musas corretas
Sim! Por terdes no verde todo alume
que não vedes, senão nas altas franças!

sexta-feira, 26 de março de 2010

Nuvem e Torrente

No céu
uma nuvem
em forma de musa
sopra um coração.

Vejo esvoaçar sonhos
e todos me cabem!
De enleio, voejo-lhos,
num sobejo tê-los!

É quando um trovão
avisa-me a torrente de amor!
Embaixo disso tudo
me deixo, de braços abertos,
nas gotas de chuva
padecer!...

quinta-feira, 25 de março de 2010

Velhice

Não vi a velhice chegar!
Não a vi espreitando
na decepção que se fez forte;
no desamor que pareceu morte
num coração amando
e logo deixando de amar...

Não vi a velhice chegar!
Não a vi no branquejo
dos meus cabelos
porque o único espelho
era o branco desejo
de não tropeçar...

Não vi a velhice chegar!
A velhice d'alma!
Hoje sinto esta descalma
me imbuir fortemente,
e eu triste, tristemente,
torno grisalhos os sonhos
e negra a realidade:

A velhice d'alma chegou!
E nos sonhos envelhecidos;
e naquelas memórias vis,
a realidade se fez nada;
a existência se fez laxa;
e o novo que eu quis
inda não desabrochou.

E não desabrochará
enquanto de espinhos
a flor for demasiadamente cheia;
a essência, de mente reprimida,
ainda que erroneamente repleta!...

A velhice chegou
e esta alma de poeta,
se revelando, bramou:

- Quando fui ouvida,
fiz dos teus sonhos,
meus versos:
novo universo
onde as quimeras
são reais
e a realidade
o maior sonho já vivido!

quarta-feira, 10 de março de 2010

O Poema

Quem dera, ter na vida, escrito fácil
O poema mais vivo, mais marcante
Vestido em smoking rútilo e grácil
Na passarela, em estofa exuberante!

Quem dera, as minhas mãos, na Flor do Lácio
Dedilhando Bilac, inebriante...
Quem dera, uma vez só, não ser pascácio
Colecionando pua - um coadjuvante!...

Quem dera o metro, a poesia exímia;
e fazer do meu nome metonímia
nas classes que se gozam do lirismo!

Quem dera-me poeta! E sem algema!
Co'alma nos dedos: divino poema
por vosso globo produzindo sismos!

terça-feira, 9 de março de 2010

Feição

Fitar na pele a poesia bela
quando em meus olhos tornarem flagrantes
sublimes traços vivos no semblante:
Entrar em transe no sorriso dela...

Deixar-me os olhos fitos, meliantes
roubarem as feições que se revelam
como arco-íris invadindo janelas
dos olhos que ora fitam, coruscantes!

Ver-se perdido – num instante infindo
nos traços fortes. E à bochecha vê-se
uma trincheira lírica formando...

Ter dela os traços: os versos mais lindos!
E ao rosto a poesia de onde lê-se
um Deus Poeta, sublime, versando...

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O Beijo à Flor

Ó belo Beija-Flor, por que não voa
de volta à Flor, e espera teu ensejo?
Por que da Flor não conseguiste o beijo?
Ou bem, talvez, por que a deixaste à toa?

Mal sabes que há também, na Flor, o adejo
de quando suas folhas desgrilhoam
E assim, despetalada, se revoa
às nuvens pra buscar-te num voejo!

Mas levadas, as pétalas, no vento
voaram, Beija-Flor, pr’aquele sumo
deixado, dos teus beijos, ao relento!

Pairando cinzas, ao ar, como fumo:
o Beija-flor adejando tormento;
e a Flor, despetalada, sem ter rumo...

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Quem Dera Poder

Quem dera poder
A vida dos cravos!
Viver mais, bastassem,
apenas, todos os cautos intuitos.

Quem dera poder
menos poder, tudo.
Quem dera, contudo,
poder sobre o poder...

Anonimato

Num cubículo abafadiço e claustro
Onde suas mãos dão vida a seu diploma:
As mesmas que engendram mil parnasos
As mesmas que são vãs – vivem de coma...

As doenças se vão! E ao que parece
Nos traços destas mãos são convolutas
Diminuem, subtraem seu metro
Vertendo-se nas fábulas minutas...

A vida passa, é lassa, descompassa.
Um diário se torna mais diário
E num piscar d’olhos, o acaso bel:

A morte chega – a luz me ultrapassa
Corta o carme – cacos de relicário:
Anjos de Luz me lendo lá do céu...

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A Prostituta


Eu amo esta rameira! Eu a amo tanto!
É jarro onde toda dor deposita
Objeto adornado – de quebranto –
Souvenir para um lírico eremita!...

Coxas em vírgula, pulando o canto
Da volúpia: deitada, a bonequita
Pequenina; bebendo do meu pranto
E derramando-se ao lençol, catita!

Elegante sopra, freme e esfumaça
Os torvelins do cerne – me arregaça
Toque; ponto final – apoteose!

Eu amo esta rameira! A prostituta:
Aliciante verve que debuta;
Na lira se insinua e faz que goze...

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Conjúgio


Casei com a poesia...
e fiz amor com os versos.
Hoje, uma estrofe me disse:

"- Há pedras no caminho..."

Pois então, pulo vírgulas...
no intuito de um amor perene...

sábado, 16 de janeiro de 2010

O Galho


O galho não é mais tão esponjoso.
Suas folhas vão caindo; caindo vão.
E o solo viça, em mato, seu perdão
Espalhando-se em barro pegajoso.

O galho quebra e um baque estrondoso
caminha pelas seivas, pelo vão
entre a casca e a falta de verão
como teu coração floral, queimoso.

E os gravetos tão já horrorizados
clamam a Deus, a glória, a sorte, a vida
por uma raiz amadurecida.

Na qual se podem béis e acomodados
como se acomodou o galho à morte
e à Fonte se voltou florido e forte!

Do Que Dentro Está Cheio


Do que dentro está cheio, tenho medo
pois, que serei lá fora, se na sombra
caminho, e todos os passos alombam
de encontro ao invisível nada ledo...

O que está dentro, grita-me, ribomba
e não ouço mais tarde, nem tão cedo
deveras nunca ouvi: ouvidos quedos!
Mas mãos-tímpanos libram como pombas...

Columbinas, papos-de-ventos, quais
destas aves voando pelas mãos
os demônios, de mim, mostrar-se-ão?

Cá dentro estou tão cheio destes ais
e nem sei se friamente sou capaz:
lavar as mãos, que os eus, revelarão!

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Som dos Sinos


Por mil caminhos vadiando torto
meu passo calejado e tão franzino
não anda avante, mais parece morto
parado em porto, de chagas, ferino

Mas eis que no solto andejo, absorto,
ouvi junto ao meu passo ternos sinos
do amor, a tilintar sons de conforto
brincando o interior como um menino...

Vi-a sentada; seus olhos cravados
em mim e os meus nos dela. Repetindo
aquele estrondo das almas benquistas!

- Qual seu nome, ó Som Inusitado?
Questionei-o cá dentro, já sorrindo:
- Eu chamo-me Amor, à primeira vista!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Um Céu Que Não Foi Céu


Olhando o céu, um astro-rei me irrompe:
Que céu poder-se-ia tais cometas
queimosos, tão vis, como baionetas
que a tudo punge; que a vida interrompe?

- Se podem! Como infames bombardetas
lançadas fortemente nos portais
das feridas; dos mais medonhos ais
trasmutando humanos em estatuetas!...

Eu questionando, já petrificado
quebrei, como num céu, fragmentado
de um coração, sangrando irresoluto!...

Olhando o céu... eu costumava vê-la!
Mas se quebrou, despenhou suas estrelas
n'alvorada de azuis cacos fajutos!

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Orangeburg


Um professor de geografia uma vez me falou:
- Conhece Orangeburg?
E eu respondi:
- Sim! É o lugar onde
o hamburguer que nos alimenta
é tão laranja
como o alvorecer em cena
levando embora a noite...

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Vejo

Vejo em teus pés
os cacos vermelhos
inda derramando...

Vejo ferida
vagar, sem saída
não cicatrizando...

Junto-me à morte.
Esquartejo a sorte
que nunca goteja!...

Perco minha vida
escureço minh'alma
e não mais me resto...

Universo Incomum


Tempo parado ante um novo Universo:
cada minuto passa de hora em hora
É como estou - vogando tão disperso,
tão pando, como o tempo está agora...

Um novo céu, de feiúme absterso:
Onde as estrelas do teu rosto, coram
E os teus buracos negros são reversos
Expelindo teus brilhos como auroras!

Teus olhos: vermelhíssimo arrebol!
Tua tez compõe a quentura do sol
- Ó Altíssimo Universo incomum!

E eu numa Lua longínqua, sentado
Pensei em ser teu astro - um namorado! -
mas brilhando em teu céu, fui só mais um!...

Duas Vidas


Eu vivo em mim, de fato, duas vidas
Uma, de sonhos, lauta e esperançosa
que se tornam poemas lindos, prosas
N’abstração e em letras, concebidas...

Outra de realidade pustulosa
que cria estrofes vis e fementidas
gerando poesia genocida
como fosse inferno em apoteose!

Eu quero é viver na desesperança
e fazer com o Agora uma aliança
exterminando o que, de sonho, existe!

Eu não vou esperar nenhuma sorte!
Pois morrerei, antes que venha a morte
Da esperança que última se insiste!

Efêmero


Tempo que passa o tempo e nunca passa
realmente, se alquebrado no Agora...
Tempos que contam horas tão já escassas
e engolem toda cor que houvera outrora...

Tempo sem tempo: velho ou tão menino
percorrendo os playgrounds da memória.
Tempo que esvai, que é como desatino
desvairado em conjecturas de glórias...

Tempo que pinta o céu todos os dias
do azul dulcíssimo, de branco ou gris
ou preto – à negritude do infeliz...

No sol a despontar no dia-a-dia:
O efêmero, se reflete, fulgente;
amareleza em manhãs do presente...

Sem Vida


Vejo em teus pés
os cacos vermelhos
inda derramando...

Vejo ferida
vagar, sem saída
não cicatrizando...

Junto-me à morte.
Esquartejo a sorte
que nunca goteja!...

Perco minha vida
escureço minh'alma
e não mais me resto...

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Sr. Certeza


Como juiz que adocica tiranos
com sua uvada velhusca, inda úvida:
levemente umedece toda dúvida
que emudecia a vida em longos anos!

Bate o martelo, e o vinho de sua mesa
Parece se liquefazer nos crânios
e explode ao ar: se fulgem novos planos
como jamais fulgiram na incerteza!

E a ré – eis a Dúvida - em frente ao júri
diz-se inocente enquanto assassinava
porventura uma ideia incerta algures...

E os cidadãos - os jurados - de avença,
(os mesmos que do vinho degustavam)
sem dúvida souberam sua sentença!...